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Entrevista a Filomena Cardoso
— Rendilheira da Ilha do Pico

A Ilha do Pico é a segunda maior ilha do arquipélago dos Açores e em 2001 tinha uma população de 14 806. A renda típica deste território é um crochet feito com um fino fio de algodão.

— Ser rendilheira é a sua principal actividade? Como consegue manter-se com as rendas nos dias de hoje?

Neste momento, é completamente impossível. No passado, era um bom complemento económico, já que a agricultura de subsistência daqui da ilha não era suficiente, e com as rendas sempre conseguíamos compensar.

As rendas sempre foram um complemento que servia para pagar as nossas deslocações entre ilhas, os enfeites das festas do Espírito Santo, e outras despesas.

Havia uma agente intermediária que nos comprava as rendas e as vendia pelas outras ilhas, no continente e por aí fora, como um caixeiro viajante.

Hoje em dia as feiras de artesanato ainda são importantes para recebermos encomendas e fazermos contactos.

Tenho tentado inovar e criar outros formatos e desenhos, aplicando ao linho ou a outras peças individuais, toalhas de banquete, lençóis e napperons, que levo para as feiras em que participo - quando consigo participar.

— Sobre esta técnica

É preciso tempo, concentração e muita paz de espírito.

O nosso estado de espírito e a temperatura da nossa mão interfere completamente no resultado final das rendas.

Se estivermos cansadas, tristes ou desfocadas pode correr muito mal, porque se falharmos um ponto, temos que desmanchar a peça toda, não dá para emendar.

A paz total abre-nos o espírito e faz-nos até ter mais ideias para as rendas.

— Qual é a história das rendas do Pico?

Têm mais de 100 anos. Foram umas senhoras na nossa freguesia que introduziram os crochets aqui na ilha. Dizem que a origem é flamenga. Rendas brancas ou beges, também conhecidas por “crochets de arte”.

O CRAA – Centro Regional de Apoio ao Artesanato - é a entidade que nos apoia e que nos certifica, o que é muito importante.

Depois, também existe uma federação de artesãos, mas não é muito expressiva o apoio e o contacto connosco.

— Sabe quantificar quantas rendilheiras se dedicam actualmente a esta técnica?

Umas 10, talvez. Com idades entre os 65 e 80 anos.

— Quem é que vai continuar este legado depois delas?

Pois, não sei. Na escola deixou-se de ensinar, em trabalhos manuais, como antes se fazia. Agora tudo isso acabou.

Eu também aprendi no meio das rendeiras, não foi só na escola.

Fazer-se rendas é um talento, e eu desenvolvi-o através da minha mãe e da minha avó.

E agora não tenho a quem passar o legado. Talvez a minha neta...mas ainda é muito pequena para saber.

Se não houver quem dê continuidade vai ser mesmo impossível manter esta técnica. Porque quem a podia ensinar já cá não vai estar e isto não se aprende com os livros.

Se tudo continuar como está isto acaba nesta geração. É uma arte que está completamente em risco. É preciso gostar, e não basta gostar. É preciso conseguir. A minha irmã, por exemplo, adora rendas mas não tem a mão.

— O que pode ser feito então para combater isso?

As pessoas valorizam e adoram o trabalho, mas já não há o tempo para usar as peças como havia antigamente. As festas hoje fazem-se muito fora de casa.

A mulher portuguesa tinha o brio de organizar as casas com crochet e rendas e isso perdeu-se.

Para promovermos e combatermos o risco da extinção, temos que ter presença física em feiras e lojas. Online isto funciona mal. O artesanato tem que ser conhecido na mão. Tudo isto passa pelo toque, por sentir com as mãos. Trabalhar ao vivo também é muito importante. Valoriza o nosso trabalho.

A feira de Ponta Delgada corre bem, e a FIA também pode correr bem, mas este ano não vai haver nada por causa da Covid-19. Nem aqui nem fora. O CRAA apoia a nossa candidatura a feiras internacionais, mas nunca cheguei a ir. É preciso disponibilidade, capacidade de organização e ter stock.

— E quem são os seus clientes actuais, então?

Hoje em dia trabalho para alguns artistas e designers, para a feira de artesanato e tenho um bom cliente em São Miguel, que me paga à cabeça e à peça, não estando sujeita à consignação.

— O quê que retirou da experiência de associação das suas rendas ao trabalho de artistas contemporâneos e designers?

É uma forma de continuar a divulgar as peças do Pico. Eu adoro participar nestes projectos.

— Teme que nestas associações com trabalhos e pessoas de fora haja apropriação da sua arte?

Não! Esta renda não é para qualquer um. Eu não tenho medo de apropriações de técnica porque sei que quem se metesse nisso, jamais conseguiria o mesmo resultado. Precisava de décadas e décadas para chegar aqui, e não ia ter paciência.

Para mim o fundamental é manter a qualidade. Desde que a mantenha, não me importo de me associar seja a quem for.

Eu estou muito interessada em trabalhar com artistas e designers. Inclusive, já estive num workshop promovido pelo CRAA com jovens designers da moda e de outras áreas.

O designer idealiza, mas nós é que vamos criar o padrão. O padrão vem da nossa cabeça, assim como a técnica.

Mas as séries serão sempre limitadas. A nossa técnica demora muito tempo.

Entrevista a Filomena Cardoso
— Rendilheira da Ilha do Pico

Abril de 2020


Contacto:

Filomena Cardoso
+351 919 270 069

Email: filomenaguiapico@sapo.pt

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